quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Ayla, Francismar e Alana...

... no dia da escolha dos temas para a produção dos artigos!!!



A Figura do Herói nas Obras de José de Alencar


Por:
Alana Nascimento Barros*
Ayla Nayra Luz Lima
Francismar Rodrigues Chaves
Marlus Jéferson Silva Bezerra
Raelle Heyde de Carvalho


RESUMO

Este trabalho objetiva fazer uma abordagem do romance indianista, procurando enfatizar a figura do herói (no caso, o índio) presente nas obras de José de Alencar. Procurou-se traçar um paralelo entre as obras O Guarani, Iracema e Ubirajara, descrevendo e comparando as obras entre si, centrados no papel do herói indianista em cada livro.

Palavras-chave: Romance Indianista, nacionalismo, herói, José de Alencar.


INTRODUÇÃO

O Romantismo marca o início de uma fase nacional da literatura brasileira. Inicia-se em 1836 com a publicação do livro “Suspiros Poéticos e Saudades”, de Gonçalves de Magalhães. No Brasil, o Romantismo adquiriu características especiais, defendendo razões e temas brasileiros expressos em uma linguagem nova, bem próxima da realidade do país. São Paulo é o centro irradiador do movimento, onde nas escolas superiores se desenvolvia intensa vida intelectual.
Apesar de diferentes, o Romantismo passou por três fases em sua evolução: a primeira fase é caracterizada pela volta ao passado histórico, com a criação do herói nacional, é a fase da geração indianista; a segunda fase, que tem por influência o inglês Lord Byron, é a geração Byroniana, marcada pelo egocentrismo, negativismo, características estas que manifesta o “Mal-do-Século”; e a terceira fase, que tem como inspiração Victor Hugo, por isso conhecida como a geração Hugoana, assume uma maneira social na luta em favor da abolição, da liberdade, do progresso e da república.
O romance é dividido por José de Alencar em quatro tipos: o romance urbano, que trata da vida nas cidades; o romance sertanejo, mostrando a vida no campo, no interior; o romance histórico, voltando aos séculos XVI, XVII e XVIII e início do século XIX; e o romance indianista, onde o índio representa o próprio símbolo de nacionalidade. E é neste último tipo de romance que predomina uma das características mais importantes do romantismo brasileiro, que é o nacionalismo.



O ROMANCE INDIANISTA

O romance indianista foi uma forma de similaridade à proposta européia da valorização do passado medieval. Definido em nosso romantismo como corrente literária, traz o índio e seus costumes como foco literário. Materializa-se no índio o “mito do bom selvagem” de Rousseau, ou seja, o homem é bom por natureza e o mundo é que o corrompe. Nessa figura do índio é que se constrói o herói, que para Massaud Moises (1974, pág. 272,273), este termo significa:


homem divinizado, filho ou descendente de deuses. Designa o protagonista ou personagem principal (masculino ou feminino), da epopéia, prosa, de ficção (conto, novela, romance) e teatro. Na antiguidade clássica, o apelativo herói era destinado a todo ser fora do comum, capaz de obrar façanhas sobre-humanas, que o aproximassem dos deuses. Equivalia aos semideuses, produto da aliança entre um deus e uma mortal. A grandeza do seu eleito se media na vitória sobre os obstáculos que a própria natureza lhe antepunha. Instintivo, genuíno, puro, ignorante das forças que possuía, conduzia-se impelido por um dinamismo que se confundia com o próprio ato vital. A sua semelhança, o herói literário se caracterizava pela valentia, a coragem física e moral.(...)


José de Alencar é o maior autor do Romance Indianista no Brasil. A imagem do índio em seus romances sempre se opõe à imagem do homem branco, pois este é “estragado” pelo mundo civilizado. Em sua obra, o indianismo, além de refletir o nacionalismo e a exaltação da natureza pátria, revela uma preocupação histórica. Seus romances de temática Indianista são três: O Guarani, Iracema e Ubirajara.
Esse autor vê o índio em três etapas diferentes: antes do contato com o branco, um branco comungando com o índio e o índio no dia-a-dia do homem branco. A psicologia e ações desses personagens são como os cavaleiros medievais. Esse índio representa nosso passado histórico, pois o modelo de herói criado deveria ser o passado e a tradição do país. E nessa visão o índio representa, na condição de habitante primitivo, o próprio símbolo de nacionalidade.
É com O Guarani que Alencar inicia suas obras Indianistas. Na verdade, ele é um romance de três tipos: histórico, romanesco e indianista. Mas, este último acaba predominando em seu conteúdo. Peri é um personagem produzido a partir de um enorme desejo de brasilidade e de paixão à pátria. Através dele, é feita a exaltação do índio, reunindo não apenas qualidades físicas aptas a fazerem dele um herói invencível, mas também a inteligência e os bons sentimentos que o transformam num verdadeiro rei das florestas, corajoso, dedicado e fiel. É ele, que junto com a família de portugueses, José de Alencar pretende mostrar o entrelaçamento das raças que dará origem ao brasileiro. Podemos ver essa figura do herói em:


Enquanto falava, um assomo de orgulho selvagem da força e da coragem lhe brilhava nos olhos negros e dava certa nobreza ao seu gesto. Embora ignorante, filho das florestas, era um rei; tinha a realeza da força (ALENCAR, 1999, Pág 97).


Tanto O Guarani quanto Iracema podem ser designados como romances fundadores, pois representam metaforicamente o início de uma raça. Em Iracema, a figura do índio aparece como herói romântico. Todas as imagens de que Alencar utiliza para se referir a protagonista são retiradas da natureza local, identificando-a com essa natureza, fazendo dela símbolo do Brasil:


Iracema a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna, e mais longos que seu talhe de palmeira; O favo de jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado; Mais rápida que a ema selvagem, a morena virgem corria o sertão e as matas do Ipu,… (ALENCAR, 1998, pág. 16).


De acordo com Arlindo Barbosa, Iracema representa simbolicamente, a América, cuja história se inicia pela exploração de suas riquezas pelos colonizadores ocidentais, os quais são representados no romance por Martim. Esse simbolismo já denota o cunho ideológico do romance, em que o explorador europeu vai suplantar o povo nativo da América.
Ubirajara é o outro romance indianista, que apresenta o índio no período anterior ao contato com o homem branco. Jaguarê, como se chama inicialmente o protagonista por já ter vencido o jaguar, pertence à tribo dos araguaias, e para que termine a sua formação para tornar-se o cacique de sua tribo, tem que demonstrar força, bravura, agilidade em combate, e só depois que derrota o chefe dos tocantins é que passa a usar o nome de Ubirajara, que significa "o senhor da lança". Podemos ver em um trecho do livro essa valentia de Jaguarê:

Pela margem do grande rio caminha Jaguarê , o jovem caçador. O arco pende-lhe ao ombro, esquecido e inútil. As lechas dormem no coldre da uiraçaba .Os veados saltam das moitas de ubaia e vêm retouçar na grama, zombando do caçador. Jaguarê não vê o tímido campeiro, seus olhos buscam um inimigo capaz de resistir-lhe ao braço robusto. O rugido do jaguar abala a floresta; mas o caçador também despreza o jaguar, que já cansou de vencer. Ele chama-se Jaguarê, o mais feroz jaguar da floresta; os outros fogem espavoridos quando de longe o pressentem. Não é esse o inimigo que procura, porém outro mais terrível para vencê-lo em combate de morte e ganhar nome de guerra. (ALENCAR, 1960, pg. 1140)


Para alguns autores, o indianismo alcança em Ubirajara a personificação da imagem do sentimento nacional. E ainda capta a necessidade brasileira de se afirmar como um espírito superior ao da metrópole.


________________
* Alunos do curso de letras da Universidade Federal do Piauí, Campus Senador Helvídio Nunes de Barros.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALENCAR, José de. Iracema. São Paulo: Ed. Ática, 1998.
ALENCAR, José de. O Guarani. São Paulo: Ed. Ática, 1999.
ALENCAR, José de. Ubirajara. Obras Completas. Rio de Janeiro: Aguilar, 1960. vol 4.
BARBOSA, Arlindo Lopes.Nacionalismo e indianismo em Iracema. Cefet-RN.
MARINO, Elda Randoli. Estudos de Português para o 2º grau. São Paulo: Ed. do Brasil,1980.
MARTINS, Eduardo Vieira. MITO ALENCARIANO. Universidade Estadual de Londrina. via atlântica n. 6 out. 2003.
MOISÉS, Massaud. Dicionário de termos literários. 1 ed. São Paulo: Cultrix, 1974.
NICOLA, José de. Literatura Brasileira: das origens aos nossos dias. São Paulo: Scipione,1998.

O Romance de Tese do Naturalismo


Por Alana Nascimento Barros*

RESUMO:


Este trabalho objetiva fazer uma explanação sobre o naturalismo, analisando algumas personagens da obra “O cortiço”, de Aluísio de Azevedo, e delas extraindo alguns dos aspectos caracterizadores dos romances de tese do naturalismo.


Palavras-chave: Naturalismo, Romance de Tese, O cortiço.



INTRODUÇÃO:

O naturalismo é uma escola literária que se baseia na observação fiel da realidade e da experiência, mostrando que o indivíduo é determinado pelo ambiente e hereditariedade, influenciado pela teoria da evolução das espécies de Charles Darwin. São características: a objetividade, a imparcialidade, o materialismo e o determinismo, que são as bases da visão de mundo.
Além de romances de tese, o naturalismo pode ser chamado romances experimentais, onde seus fatos são usados como experiências científicas e, assim, é apresentada uma conclusão.
O Naturalismo defende a exposição do ser humano através de seus instintos naturais, sendo estes responsáveis por seus atos. A literatura naturalista tem caráter reformista, uma vez que seus escritores passaram a analisar o comportamento humano e social, de maneira que eram capazes se apontar saídas e soluções. Antônio Cândido e José Geraldo Castelo (1994:286) assim explicam o Naturalismo:



O Naturalismo significa o tipo de Realismo que procura explicar cientificamente a conduta e o modo de ser dos personagens por meio dos fatores externos, de natureza biológica e sociológica, que condicionam a vida humana. Os seres aparecem então, como produtos, como conseqüências de fatores preexistentes, que limitam a sua responsabilidade e os tornam, nos casos mais extremos, verdadeiros joguetes das condições.



Os naturalistas acreditavam que o conhecimento se dá por meio dos sentidos e que a função do escritor é relatar por detalhes o que se observa. Sua teoria de vida era mais pessimista que a dos realistas. Mas o Naturalismo nada mais é do que o Realismo mais cientificismo da segunda metade do século XIX. Assim, encontramos todas as características do Realismo, exceto a análise psicológica das personagens.
A literatura naturalista surge na França com Flaubert e Zola. Flaubert é o primeiro escritor a pleitear para a prosa a preocupação científica com o intuito de captar a realidade em toda sua crueldade. Em 1857, Gustave Flaubert publica Madame Bovary, o primeiro romance realista da literatura universal e, em 1867, Émile Zola publica Thérèse Raquin, inaugurando, assim, o romance naturalista.
No Brasil, o primeiro romance naturalista publicado foi “O Mulato”, de Aluísio de Azevedo, grande nome do romance naturalista no país, em 1881. Seguindo as lições de Émile Zola e Eça de Queirós, o autor escreve romances de tese com clara conotação social. Em suas narrativas, Aluísio valorizou os instintos naturais, comparando constantemente seus personagens a animais. Tais personagens são tipificados: o adúltero, o louco, o pobre, o homossexual, a prostituta, dentre outros.
Em sua obra “O Cortiço”, expressão máxima do naturalismo brasileiro, encontramos muitos desses personagens tipificados. Aluísio apresenta como personagem principal dessa obra, João Romão, português que pode ser encarado como metáfora do capitalismo selvagem, pois tem como objetivo principal, na vida, enriquecer a qualquer custo. Ambicioso ao extremo, sacrifica até a si próprio para alcançar tal objetivo. Veste-se mal e dorme no mesmo balcão em que trabalha. Observamos a intensidade da ambição de João Romão no seguinte trecho:



Proprietário e estabelecido por sua conta, o rapaz atirou-e á labutação ainda com mais ardor, possuindo-se de tal delírio de enriquecer, que afrontava resignado as mais duras privacões. Dormia sobre o balcão de própria venda, em cima de uma esteira, fazendo travesseiro um saco de estopa cheio de palha. (AZEVEDO, 1998, pg.15)


Havia também a crioula Bertoleza, escrava que ganhava a vida vendendo peixe frito diante da venda de João Romão, este se torna amante daquela e passa a se aproveitar das suas economias, mentindo que havia comprado sua carta de alforria, investe em seus próprios negócios, construindo três casinhas, imediatamente alugadas. Encontramos essa passagem no seguinte trecho de obra:


João Romão não saía nunca a passeio, nem á missa aos domingos; tudo que rendia a sua renda e mais a quitanda seguia direitinho para a caixa econômica e daí então para o banco. Tanto assim que, um ano depois da aquisição da crioula, indo em hasta pública algumas braças de terra situadas ao fundo da taverna, arrematou-as logo e tratou, sem perda de tempo, de construir três casinhas de porta e janela.(AZEVEDO,1998, pg.17)



Com o passar do tempo, de três chegaram a noventa e nove casinhas e surge o Cortiço João Romão. Além de Bertoleza e João Romão, em “O Cortiço” existem várias outras personagens tipificadas. Esses moradores vão formar uma galeria de tipos extremamente rica, colorida. Cada personagem representa um mergulho nas diferentes taras. Há vários exemplos, como Neném, adolescente negra de libido explosiva que acaba perdendo a virgindade nas mãos de um empregado de João Romão. Havia, ainda, a adúltera Dona Estela, esposa do Miranda. Percebemos o adultério cometido por Dona Estela no seguinte trecho da obra:



Dona Estela era uma mulherzinha levada da breca: achava-se casada havia treze anos e durante esse tempo dera ao marido toda sorte de desgostos. Ainda antes de terminar o segundo ano de matrimônio, o Miranda pilhou-a em flagrante delito de adultério. (AZEVEDO, 1998:19)


Sendo assim, no desenrolar dessa trama, vamos encontrando muitas outras personagens características do romance de tese do Naturalismo. Com seus desejos, ambições, taras e doenças, vão dando forma a este romance de tese tão consagrado da literatura nacional.



* Aluna do curso de letras da Universidade Federal do Piauí, Campus Senador Helvídio Nunes de Barros.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
AZEVEDO, Aluísio de. O cortiço. 33° ed. São Paulo: Ática, 1998.
CÂNDIDO, Antônio e CASTELO, J. Aderaldo. Realismo, parnasianismo, simbolismo. In: Das origens ao realismo. 6° ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1994.

LUCÍOLA: A construção da figura da prostituta em José de Alencar


Por Ayla Nayra Luz Lima*


RESUMO

Este artigo tem como objetivo mostrar como a personagem Lúcia foi construída no romance Lucíola, que José de Alencar criou para fazer uma crítica à sociedade da época em que viveu. É um romance que conta a historia da mocinha que é expulsa de casa, revelando-se uma mulher sedutora para garantir sua sobrevivência, e que depois encontra o amor sincero de um jovem (Paulo), com quem se casa, mas devido à mesquinhez da sociedade, esse amor não vai ser totalmente vivido. O cenário das personagens é o Rio de Janeiro do século XIX, em que Lúcia e Paulo são representações dessa época, expressando a visão de Alencar sobre a figura da prostituta.

Palavras-chave: José de Alencar, romance, sociedade, amor.


INTRODUÇÃO

Lucíola é um dos romances urbanos da trilogia de José de Alencar que retrata a sociedade carioca de sua época, apontando aspectos negativos da vida urbana e dos costumes burgueses. A história se passa em 1855, época do Segundo Reinado, em que a urbanização da cidade do Rio de Janeiro se transformava em corte. É narrado em primeira pessoa, sendo através do narrador que Alencar vai fazer críticas aos conceitos morais existentes na sociedade.
Nesse romance, o autor uniu características românticas e realistas na personagem Lúcia. É uma mulher que vive entre o amor (modelo romântico) e a libertinagem (modelo realista). No início da obra é uma prostituta de luxo, mas que depois se torna uma mulher frágil, que vai precisar da ajuda do amor para vencer os obstáculos que a vida colocou no seu caminho. Esse tema da prostituta regenerada já era conhecido na literatura francesa, em “A Dama das Camélias”, de Alexandre Dumas Filho, em que as personagens são muito parecidas com as de Alencar, daí pode ter surgido sua inspiração para escrever Lucíola.

A CONSTRUÇÃO DA PERSONAGEM

A prostituta sempre foi uma figura polêmica, que nesta obra o autor a apresentou como uma contradição do corpo e da alma, da sociedade e do ser humano, construindo sob essa visão a figura da protagonista do romance Lucíola. Com um perfil idealizado de figura feminina, tinha uma beleza sobrenatural e extrema sedução. Era uma mulher a frente de seu tempo, forte como as demais prostitutas, que apesar de vivenciar preconceitos a todo momento, tentou superá-los. Podemos ver essa idealização em um trecho que Paulo fala:


É preciso ter como Lúcia a beleza, a sedução e o espírito que enchem uma sala; a mobilidade e a elegância que multiplicam uma mulher, como o prisma reproduz o raio do sol por mil facetas;(...) (ALENCAR, 1998, Pg. 53)



Nessa obra, Alencar faz uma denúncia à rejeição da sociedade para com as prostitutas, que as julga como mulheres impuras, mas que delas se aproveitam em benefício próprio, continuando a mantê-las. Até mesmo Lúcia que sempre teve consciência da vida que levava, também assume os preconceitos sociais contra a prostitutas, quando abandona a sua vida de libertinagem e se pune pelos pecados que cometeu, esperando a remissão com o perdão de Paulo, isso é visto em um trecho da obra em que Lúcia contava a Paulo sobre sua vida:


Lúcia escondeu o rosto nos meus joelhos e emudeceu. Quando levantou a fronte, implorava com as mãos juntas e o olhar súplice. O quê? O perdão de sua primeira falta?
(...)
Eis a minha vida. O que se passava em mim é difícil de compreender, e mais difícil de confessar. Eu tinha-me vendido a todos os caprichos e extravagâncias; deixara-me arrastar ao mais profundo abismo da depravação; contudo, quando entrava em mim, na solidão de minha vida íntima, sentia que eu não era uma cortesã como aquelas que me cercavam.(...) (ALENCAR,1998, Pgs. 109 e 111)


Na protagonista desse romance, existe simultaneamente duas pessoas: Maria da Glória, uma menina simples, doce, ingênua; e Lúcia, uma prostituta estravagante e sedutora. Essa ambigüidade na personagem, mostra uma dualidade de caráter, apresentando desse modo a capacidade de colocá-la ora como anjo, ora como demônio. É possível perceber essa ambigüidade num trecho em que Paulo e Lúcia conversam no teatro:


Notei no tom de Lúcia durante o resto desta conversa uma diferença extraordinária com o modo singelo e modesto que ela tinha em sua casa; agora era a frase ríspida, incisa e levemente embebida na ironia que destilava de seus lábios, e cujas gotas a maior parte das vezes salpicavam a ela própria.(...) (ALENCAR,1998, Pg.32)


Outra marca significativa nas obras de Alencar, é o uso da metáfora, utilizada em Lucíola para fazer relação entre dois nomes –Lúcia e Lúcifer–, mostrando semelhança entre os mesmos. Tal como Lúcifer, Lúcia era como um anjo que ao cair na vida da prostituição desceu do céu ao inferno, passou de pura para libertina, e que agora vivia de seduzir os homens. Pode-se ver essa ligação entre os dois em um fragmento do livro:


–Como trata-se de nomes, eu também proponho uma mudança, bocejou Rochinha. Em lugar de Lúcia –diga-se Lúcifer.
–Quem não sabe que eu sou anjo de luz, que desci do céu ao inferno? (ALENCAR,1998, Pg.38)


Além da ambigüidade e da metáfora, o autor faz uso de sufixos diminutivos com valor afetivo, utilizado como forma de adicionar às suas personagens femininas uma situação de fragilidade, muito visto no movimento romântico. Mas em Lucíola, esse mesmo processo teve outra função: o nome Lúcia é a forma diminutiva de seu nome –Lucíola– e foi utilizado para ficar conhecida como uma cortesã. Nesse caso, o diminutivo expressou um pensamento de desproteção que tornará o termo Lucíola atraente.

Alencar levava em conta as razões do coração, sempre procurando defender suas personagens, refazendo a sua dignidade e redimindo-as de seus mal feitos. E nesse romance, o amor e a morte de Lúcia representam a purificação da alma e realização plena do amor, não significando, assim, um desfecho trágico. Ele não se restringiu aos pensamentos da sociedade, construindo Lúcia como uma prostituta diferente que amou e foi amada, sendo admirada por Paulo desde a primeira vez em que a viu:


A lua vinha assomando pelo cimo das montanhas fronteiras; descobri nessa ocasião, a alguns passos de mim, uma linda moça, que parara um instante para contemplar no horizonte as nuvens brancas esgarçadas sobre o céu azul e estrelado. Admirei-lhe do primeiro olhar um talhe esbelto e de suprema elegância.(...) (ALENCAR, 1998, Pg.14)


Apesar das críticas sofridas por retratar um problema social como o da prostituição, que a sociedade do século XIX conhecia, mas preferia ignorar, Alencar contribui muito com inovações estilísticas, servindo como base para outros autores. Por isso, é considerado um dos maiores romancistas da literatura brasileira e o pioneiro em inovações do século XIX.


* Aluna do curso de letras da Universidade Federal do Piauí, Campus Senador Helvídio Nunes de Barros.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALENCAR, José de. Lucíola. 24 ed. São Paulo: Editora Ática, 1998.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda [et.al], 1910-1989. Minidicionário Século XXI Escolar: o minidicionário da língua portuguesa. 4 ed. Rev. Ampliada. – Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000.

SOUZA, Jair Gomes de. Iracema, Aurélia e Lucíola: amor e honra no perfil moral e social feminino das personagens alencarianas. CES-JF, FIJ-RJ.

REBELLO, Janaína Fernandes. A multiplicidade de enfoques sobre o amor na narrativa brasileira. Departamento de Letras Vernáculas. Tese de Doutorado apresentada à coordenação dos cursos de Pós-graduação em Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro. 1º semestre de 2006.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Tempo na obra A Moreninha


A MORENINHA: A ORGANIZAÇÃO TEMPORAL DO ROMANCE

Por: Marllus Jefferson*

O tempo é o melhor autor:
sempre encontra um final perfeito.
(Charles Chaplin)

Romance é, sem dúvida, o gênero mais importante do texto em prosa. É uma narrativa longa que pode conter mais de um conflito. O primeiro romance da nossa literatura: A Moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo, publicado em 1844, faz parte de uma literatura de entretenimento, na época escrita em forma de folhetim para uma classe ociosa preocupada em distrair-se.
Salvatore D’Onofrio (1999) lembra que o romance passou a indicar uma longa narrativa sentimental, forma cultural que viveu à margem da literatura oficial durante a época do classicismo, e ainda, o romance tornou-se a forma literária que melhor exprimia os anseios da burguesia. Literatura não mais destinada a um pequeno círculo de gente culta, mas à classe média – lembra o escritor.
Dividida em 23 capítulos mais o epílogo, foi o livro mais lido de sua época, pois satisfazia às exigências do público. Retratar a sociedade carioca, seus costumes, com um pouco de humor e uma linguagem simples, além de seu final, onde o amor vence: eis as características desta obra e do romance ideal de uma época burguesa.
Quatro amigos: Filipe, Leopoldo, Fabrício e Augusto fazem uma aposta caso este fique enamorado pela mesma garota durante quinze dias ou mais. Vão à ilha onde a avó de Filipe mora. Lá, Augusto conhece Carolina e apaixona-se, sendo também correspondido. Só que este tem um juramento feito na infância, com uma menina de sete anos, de que seriam marido e mulher. Mas Carolina sabendo, insiste, criando um certo conflito e vence, revelando ao seu amor que era ela a quem ele tinha amado quando criança. Vencido, Augusto cumpre a aposta e escreve o livro com o título: “A Moreninha”.
É importante salientar os aspectos das personagens muito característicos do gênero romântico, pois assim como os tipos de romance são variados, suas personagens também o são. Assim, D’Onofrio(1999, p.117) define o protagonista:


O protagonista do romance, diferentemente do herói da poesia épica, não é mais um varão de ilustre prosápia que tem uma nobre missão a cumprir, mas um homem comum que enfrenta a uma dura realidade cotidiana: um médico, uma prostituta, um operário, uma jovem apaixonada.


No nosso caso temos dois jovens apaixonados: Augusto, posto inconstante, mas que depois de longos anos ainda é apaixonado pela mesma garota que conhecera quando criança e não tem escrúpulos de aproveitar-se de outras e não apaixonar-se até conhecer a irmã de Filipe que, por sorte ou ironia do destino acaba descobrindo tratar-se da mesma. E Carolina, “travessa, inconseqüente e às vezes engraçada; viva, curiosa e em algumas ocasiões impertinente”. Esse é o perfil que Macedo (Macedo, 2001, p.29) traz da protagonista que, junto com Augusto e, apesar de seus defeitos, não deixam de ser idealizados, muito fiel ao retrato das personagens do romance de seu tempo.
A parte mais importante do enredo é, sem dúvida, a parte que o leitor fica sabendo da promessa de amor feita por Augusto na infância, contrariando esse público que não esperava por tamanha intriga e que irá conduzi-lo a uma reviravolta no final do romance. O grande jogo do autor nessa parte do livro é voltar ao tempo que definiu, por sua vez o caráter da personagem. Para isso, foi necessário deixar de lado a cronologia e dar um recuo ao passado de Augusto. O tempo tem uma importância fundamental numa obra romântica. Massaud Moisés (1974, p. 453) diz que:


O tempo, no romance, provavelmente constitua o ingrediente mais complexo e o mais relevante: de certo modo, tudo no romance forceja por transformar-se em tempo, que seria, em última instância, o escopo magno do romancista. Mais do que escrever uma história, mostrar cenários, criar personagens, o seu objetivo consistiria na criação do tempo, ou na sua fixação, dentro das coordenadas de um livro. Senhor absoluto do tempo, o ficcionista pode acompanhar as personagens durante toda a sua existência (...).


Na obra A Moreninha, do capítulo I ao VII, apresenta um desenvolvimento temporal cronológico, passando pela aposta, pela chegada à ilha, pela presença de Carolina até a narração de Augusto feita à avó de Filipe, a Sra. D. Ana. A partir daí o narrador, através de Augusto, recua no tempo para explicar ao público leitor acerca da personalidade que este construiu dentro da narração e voltar em seguida para desatar os nós criados pelos protagonistas. A esse recuo no tempo dá-se o nome de flashback.
Estudando o tempo na literatura, Vitor Manuel Silva (1999) nos fala da importância do flashback no romance. Para ele tanto o início da narrativa in media res como in ultimas res obriga o romancista a narrar posteriormente os antecedentes diegéticos dos episódios e das situações que figuram na abertura do romance (...). O flashback ou analepse é um recurso de que os romancistas se servem com freqüência porque permite comodamente esclarecer o narratário e/ou o leitor sobre os antecedentes de uma determinada situação e sobre uma personagem introduzida pela primeira vez no discurso ou neste reintroduzida, após disparição mais ou menos prolongada.
O flashback deste romance se dá em três capítulos. No primeiro, intitulado ‘Os Dois Breves, Branco e Verde’, Augusto narra a primeira vez que conhecera Carolina:


Foi, pois, há sete anos, e tinha eu então treze anos de idade, que, brincando em uma das belas praias do Rio de Janeiro, vi uma menina que não poderia ter ainda oito.
Figure-se a mais bonita criatura do mundo, com um vivo, agradável e alegre semblante, com cabelos negros e anelados voando ao derredor de seu pescoço, com o fogo do céu nos olhos, com o sorrir dos anjos nos lábios, com a graça divina em toda ela, e far-se-á ainda uma idéia incompleta dessa menina. (Macedo, 2001, p. 49)


É neste capítulo que Augusto faz um juramento de casamento e amor eterno a essa menina.
No capítulo seguinte, com o título ‘Augusto Prosseguindo’, ele continua sua história com suas desilusões amorosas e explica a Sra. D. Ana porque se tornou “borboleta de amor”, como ele se denomina:


Não sei, continuou Augusto, que teve o amor comigo, para entender que todas as moças deviam rir-se de mim e zombar de meus afetos! Pensa que brinco, minha senhora?... Pois foi isso mesmo que me sucedeu no decurso de minhas paixões. (Macedo, 2001, p.56)


‘A Sra. D. Ana com suas Histórias’ é o outro capítulo que, a avó de Filipe conta a história das Lágrimas de Amor à Augusto e que tem relação com a vida e os amores deste:


- Pois estava neste momento lembrando-me de uma tradição muito antiga, seguramente fabulosa, mas bem apropositada dessa fonte, e que tem muita relação com a história dos seus amores e com o copo d’água que acaba de beber.(Macedo, 2001, p. 62)


Aparentemente sem importância é uma capítulo que vai ter influência no futuro das personagens. A partir daí o tempo da narração retorna ao tempo presente das personagens e segue uma ordem de data até o fim do livro – a cronologia.
O tempo, pois, na obra de Macedo, é de suma importância, principalmente o flashback, sendo que é a partir daí que o livro aguça a curiosidade do leitor e o instiga a lê-lo até o final. Foi um recurso muito bem elaborado pelo autor e serve como revelação do caráter psicológico de um personagem, além de ser nesse jogo com o tempo que surge o clímax do romance. Portanto, sem esse recuo ao passado não teria sentido essa história de amor, pois o juramento de casamento seria o antagonista oculto de ambos.


*Aluno do curso de Letras da UFPI - CAMPUS SENADOR HELVÍDIO NUNES DE BARROS

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:

D’ONOFRIO, Salvatore. Teoria do texto: prolegômenos e teoria da narrativa. 2 ed. São Paulo: Ática, 1999.
MACEDO, Joaquim Manuel de. A moreninha. 34 ed. São Paulo: Ática, 2001.
MOISÉS, Massaud. Dicionário de termos literários. 1 ed. São Paulo: Cultrix, 1974.
SILVA, Vítor Manuel de Aguiar e. Teoria da literatura. 8. Ed. Livraria Almedina. Coimbra, 1999.