terça-feira, 25 de novembro de 2008

Tempo na obra A Moreninha


A MORENINHA: A ORGANIZAÇÃO TEMPORAL DO ROMANCE

Por: Marllus Jefferson*

O tempo é o melhor autor:
sempre encontra um final perfeito.
(Charles Chaplin)

Romance é, sem dúvida, o gênero mais importante do texto em prosa. É uma narrativa longa que pode conter mais de um conflito. O primeiro romance da nossa literatura: A Moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo, publicado em 1844, faz parte de uma literatura de entretenimento, na época escrita em forma de folhetim para uma classe ociosa preocupada em distrair-se.
Salvatore D’Onofrio (1999) lembra que o romance passou a indicar uma longa narrativa sentimental, forma cultural que viveu à margem da literatura oficial durante a época do classicismo, e ainda, o romance tornou-se a forma literária que melhor exprimia os anseios da burguesia. Literatura não mais destinada a um pequeno círculo de gente culta, mas à classe média – lembra o escritor.
Dividida em 23 capítulos mais o epílogo, foi o livro mais lido de sua época, pois satisfazia às exigências do público. Retratar a sociedade carioca, seus costumes, com um pouco de humor e uma linguagem simples, além de seu final, onde o amor vence: eis as características desta obra e do romance ideal de uma época burguesa.
Quatro amigos: Filipe, Leopoldo, Fabrício e Augusto fazem uma aposta caso este fique enamorado pela mesma garota durante quinze dias ou mais. Vão à ilha onde a avó de Filipe mora. Lá, Augusto conhece Carolina e apaixona-se, sendo também correspondido. Só que este tem um juramento feito na infância, com uma menina de sete anos, de que seriam marido e mulher. Mas Carolina sabendo, insiste, criando um certo conflito e vence, revelando ao seu amor que era ela a quem ele tinha amado quando criança. Vencido, Augusto cumpre a aposta e escreve o livro com o título: “A Moreninha”.
É importante salientar os aspectos das personagens muito característicos do gênero romântico, pois assim como os tipos de romance são variados, suas personagens também o são. Assim, D’Onofrio(1999, p.117) define o protagonista:


O protagonista do romance, diferentemente do herói da poesia épica, não é mais um varão de ilustre prosápia que tem uma nobre missão a cumprir, mas um homem comum que enfrenta a uma dura realidade cotidiana: um médico, uma prostituta, um operário, uma jovem apaixonada.


No nosso caso temos dois jovens apaixonados: Augusto, posto inconstante, mas que depois de longos anos ainda é apaixonado pela mesma garota que conhecera quando criança e não tem escrúpulos de aproveitar-se de outras e não apaixonar-se até conhecer a irmã de Filipe que, por sorte ou ironia do destino acaba descobrindo tratar-se da mesma. E Carolina, “travessa, inconseqüente e às vezes engraçada; viva, curiosa e em algumas ocasiões impertinente”. Esse é o perfil que Macedo (Macedo, 2001, p.29) traz da protagonista que, junto com Augusto e, apesar de seus defeitos, não deixam de ser idealizados, muito fiel ao retrato das personagens do romance de seu tempo.
A parte mais importante do enredo é, sem dúvida, a parte que o leitor fica sabendo da promessa de amor feita por Augusto na infância, contrariando esse público que não esperava por tamanha intriga e que irá conduzi-lo a uma reviravolta no final do romance. O grande jogo do autor nessa parte do livro é voltar ao tempo que definiu, por sua vez o caráter da personagem. Para isso, foi necessário deixar de lado a cronologia e dar um recuo ao passado de Augusto. O tempo tem uma importância fundamental numa obra romântica. Massaud Moisés (1974, p. 453) diz que:


O tempo, no romance, provavelmente constitua o ingrediente mais complexo e o mais relevante: de certo modo, tudo no romance forceja por transformar-se em tempo, que seria, em última instância, o escopo magno do romancista. Mais do que escrever uma história, mostrar cenários, criar personagens, o seu objetivo consistiria na criação do tempo, ou na sua fixação, dentro das coordenadas de um livro. Senhor absoluto do tempo, o ficcionista pode acompanhar as personagens durante toda a sua existência (...).


Na obra A Moreninha, do capítulo I ao VII, apresenta um desenvolvimento temporal cronológico, passando pela aposta, pela chegada à ilha, pela presença de Carolina até a narração de Augusto feita à avó de Filipe, a Sra. D. Ana. A partir daí o narrador, através de Augusto, recua no tempo para explicar ao público leitor acerca da personalidade que este construiu dentro da narração e voltar em seguida para desatar os nós criados pelos protagonistas. A esse recuo no tempo dá-se o nome de flashback.
Estudando o tempo na literatura, Vitor Manuel Silva (1999) nos fala da importância do flashback no romance. Para ele tanto o início da narrativa in media res como in ultimas res obriga o romancista a narrar posteriormente os antecedentes diegéticos dos episódios e das situações que figuram na abertura do romance (...). O flashback ou analepse é um recurso de que os romancistas se servem com freqüência porque permite comodamente esclarecer o narratário e/ou o leitor sobre os antecedentes de uma determinada situação e sobre uma personagem introduzida pela primeira vez no discurso ou neste reintroduzida, após disparição mais ou menos prolongada.
O flashback deste romance se dá em três capítulos. No primeiro, intitulado ‘Os Dois Breves, Branco e Verde’, Augusto narra a primeira vez que conhecera Carolina:


Foi, pois, há sete anos, e tinha eu então treze anos de idade, que, brincando em uma das belas praias do Rio de Janeiro, vi uma menina que não poderia ter ainda oito.
Figure-se a mais bonita criatura do mundo, com um vivo, agradável e alegre semblante, com cabelos negros e anelados voando ao derredor de seu pescoço, com o fogo do céu nos olhos, com o sorrir dos anjos nos lábios, com a graça divina em toda ela, e far-se-á ainda uma idéia incompleta dessa menina. (Macedo, 2001, p. 49)


É neste capítulo que Augusto faz um juramento de casamento e amor eterno a essa menina.
No capítulo seguinte, com o título ‘Augusto Prosseguindo’, ele continua sua história com suas desilusões amorosas e explica a Sra. D. Ana porque se tornou “borboleta de amor”, como ele se denomina:


Não sei, continuou Augusto, que teve o amor comigo, para entender que todas as moças deviam rir-se de mim e zombar de meus afetos! Pensa que brinco, minha senhora?... Pois foi isso mesmo que me sucedeu no decurso de minhas paixões. (Macedo, 2001, p.56)


‘A Sra. D. Ana com suas Histórias’ é o outro capítulo que, a avó de Filipe conta a história das Lágrimas de Amor à Augusto e que tem relação com a vida e os amores deste:


- Pois estava neste momento lembrando-me de uma tradição muito antiga, seguramente fabulosa, mas bem apropositada dessa fonte, e que tem muita relação com a história dos seus amores e com o copo d’água que acaba de beber.(Macedo, 2001, p. 62)


Aparentemente sem importância é uma capítulo que vai ter influência no futuro das personagens. A partir daí o tempo da narração retorna ao tempo presente das personagens e segue uma ordem de data até o fim do livro – a cronologia.
O tempo, pois, na obra de Macedo, é de suma importância, principalmente o flashback, sendo que é a partir daí que o livro aguça a curiosidade do leitor e o instiga a lê-lo até o final. Foi um recurso muito bem elaborado pelo autor e serve como revelação do caráter psicológico de um personagem, além de ser nesse jogo com o tempo que surge o clímax do romance. Portanto, sem esse recuo ao passado não teria sentido essa história de amor, pois o juramento de casamento seria o antagonista oculto de ambos.


*Aluno do curso de Letras da UFPI - CAMPUS SENADOR HELVÍDIO NUNES DE BARROS

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:

D’ONOFRIO, Salvatore. Teoria do texto: prolegômenos e teoria da narrativa. 2 ed. São Paulo: Ática, 1999.
MACEDO, Joaquim Manuel de. A moreninha. 34 ed. São Paulo: Ática, 2001.
MOISÉS, Massaud. Dicionário de termos literários. 1 ed. São Paulo: Cultrix, 1974.
SILVA, Vítor Manuel de Aguiar e. Teoria da literatura. 8. Ed. Livraria Almedina. Coimbra, 1999.

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